Uma história de amor bonita e bem contada, mesmo que manchada pela tristeza, gera sempre curiosidade. E foi com essa curiosidade que descrobri uma princesa que não conhecia, um aristocrata que se tornou o primeiro imperador do México e a ligação de ambos com a Madeira.
Vamos por partes. Aqui há uns anos, quando trabalhava na minha ilha, fiquei a saber que a casa real da Suécia apoiava financeiramente o Hospício Princesa D. Maria Amélia, no Funchal, que hoje funciona como jardim de infância, escola primária, lar de idosos e orfanato. A rainha Silvia da Suécia e a sua filha, princesa Victoria, já estiveram na Madeira a visitar o hospício. Só não sabia a razão de ser do apoio. Agora que sei vou partilhar a história.
Maria Amélia era uma princesa do Brasil. Era filha única do segundo casamento do Imperador D. Pedro I do Brasil, (D. Pedro IV de Portugal) e da sua esposa dona Amélia de Beauharnais. Maria Amélia nasceu em Paris em 1831. Quando tinha apenas um mês, o seu pai foi a Portugal para lutar pela coroa portuguesa e restituí-la à sua filha mais velha, a Rainha D. Maria II. Ficou orfã de pai ainda nem tinha 3 anos, pois D. Pedro morreu de tuberculose.
Princesa Maria Amélia (1831-1853)
Após a morte do pai, a princesa Maria Amélia ficou a viver em Portugal porque no Brasil não era reconhecida como membro da casa imperial, por ter nascido no estrangeiro. Só foi reconhecida em 1841. A mãe não voltou a casar e ficaram a viver em Lisboa no Palácio das Janelas Verdes. Dedicou-se à educação da filha e não voltaram ao Brasil. Maria Amélia cresceu e tornou-se uma jovem educada, inteligente e muito bonita. Desenhava, pintava, tocava piano e falava português, francês e alemão. Vivia com a mágoa de ter perdido o pai tão cedo.
Dada à sua posição e conexões familiares, convivia com membros da realeza europeia e conheceu, em Munique, em 1838, o arquiduque Maximiliano da Áustria. Entre 1838 e 1850 viajou pela Europa com a mãe, visitando familiares que pertenciam a diferentes casas reais. Em 1852, Maximiliano veio a Portugal visitá-la. As suas famílias tinham ligações de sangue pois a mãe de Maximiliano era meia-irmã da avó de Maria Amélia, sendo por isso tia-avó da princesa. Eles apaixonaram-se e ficaram noivos, embora o noivado não tenha sido oficialmente anunciado.
Arquiduque Maximiliano e a sua esposa princesa Carlota da Bélgica
Em 1852, Maria Amélia contraiu escarlatina e ficou com uma tosse persistente que não desapareceu durante meses. O médico da família real aconselhou-a a ir para o Funchal passar uma temporada. O clima da ilha era conhecido por ser benéfico para o tratamento da tuberculose. Há fontes que dizem que foi o próprio Maximiliano que a aconselhou a ir para a Madeira, pois já tinha visitado a ilha. O arquiduque era irmão do Imperador da Áustria, Francisco José, e por isso cunhado da Imperatriz Sissi. Terá sido ele que também aconselhou Sissi a procurar os ares da Madeira, quando as tosses e a depressão lhe afectaram.
A princesa Maria Amélia chegou com a mãe à Madeira em Agosto de 1852. Uma multidão eufórica lhe veio dar as boas vindas. Apesar de doente, Maria Amélia gostou muito da Madeira. Dizia mesmo que se recuperasse a saúde, queria voltar para fazer caminhadas na montanha e passar mais tempo na ilha, para descobrir os seus encantos. Infelizmente a saúde não melhorou e faleceu com 22 anos, no Funchal, em Fevereiro de 1853.
Imperatriz Amélia de Beauharnais (mãe da princesa Maria Amélia)
Maximiliano ficou muito afectado com a perda da sua amada e passou a usar um anel com um cacho de cabelo da princesa. Casou por conveniência com a princesa Carlota, a filha do rei da Bélgica, mas nunca esqueceu a princesa Maria Amélia. A prova disso foram as viagens que fez, mesmo depois de casado, pelos lugares que a princesa Maria Amélia visitou. Maximiliano esteve na Madeira várias vezes e escreveu o seguinte:
“Here died, of tuberculosis, on 4 February 1853,
the only daughter of the Empress of Brazil, an extraordinarily gifted
creature. She left this flawed world, pure as an angel who returns to
Heaven, her true native land.”
Após a morte da filha, a imperatriz Amélia de Beauharnais decidiu que queria perpetuar a sua memória e ajudar os que mais precisavam. Quis então construir um hospital para os doentes tuberculosos mais pobres. O edifício começou a ser edificado em 1856 e em 1862 já recebia doentes. Chamou-se hospício Princesa D. Maria Amélia e funciona até hoje. Maximiliano visitou o espaço e financiou o hospital durante vários anos. O arquiduque também visitou a casa onde faleceu a princesa Maria Amélia, a Quinta Vigia, que é hoje sede do governo regional da Madeira. Fica situada a pouca distância do hospício. Nas suas memórias escreveu o seguinte:
“the life [was] extinguished that seemed destined
to guarantee my own tranquil happiness”.
Hospício Princesa Maria Amélia, Funchal
A imperatriz Amélia de Beauharnais apoiou financeiramente aquela obra social até morrer. Quando sentiu que a saúde lhe começava a faltar, pediu à sua irmã, a rainha Josefina da Suécia e Noruega, que em memória da princesa Maria Amélia continuasse a apoiar o hospício quando a imperatriz morresse.
A rainha Josefina assim o fez e, anos mais tarde, tornou formal o apoio financeiro da casa real sueca. Por sua vez, o arquiduque Maximiliano acabou por ter um fim triste. Chegou a ser coroado primeiro Imperador do México mas, ao fim de três anos, foi assassinado. Maria Amélia e a mãe foram sepultadas em Lisboa. 130 anos mais tarde, em 1982, os restos mortais foram trasladados para o Brasil e está sepultada no Convento de Santo António, no Rio.
Capela do Hospício
Em Outubro do ano passado, numa bela manhã de sol, estive na Madeira e fui visitar o hospício. Tem um lindo e denso jardim que é perfeito para relaxar e ver passar o tempo. Do edifício apenas se pode visitar a pequena e bonita capela. Todas as outras áreas, por questões de privacidade, estão vedadas ao público. Mas nem que seja só para ver o edifíco do exterior e pela visita ao maravilhoso jardim, vale a pena lá ir!