quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Henry Veitch e a Quinta da Serra: o harém do cônsul inglês na Madeira

Há dois ou três anos, li o livro de memórias do arquiduque Maximiliano da Áustria e da sua esposa, Carlota da Bélgica, sobre as impressões que retiveram da Madeira quando visitaram a ilha juntos, em 1859. O arquiduque Maximiliano era irmão do imperador Francisco José da Áustria e a sua esposa, Carlota da Bélgica, era filha do rei Leopoldo I da Bélgica e também irmã do futuro rei Leopoldo II, o carrasco do Congo…


Maximiliano e Carlota

Achei muito interessante ler as observações que tinham dos usos e costumes da Madeira oitocentista, e do fascínio pelas paisagens e pela fauna e flora da ilha. Mas o que achei mais curioso mesmo foi quando o arquiduque andou a passear pelas serras do Estreito de Câmara de Lobos, hoje freguesia do Jardim da Serra, e descreveu uma quinta abandonada que tinha pertencido a um cônsul britânico já falecido.



Maximiliano dizia que a quinta tinha sido habitada por um devasso que manteve um harém de meninas jovens e pobres das redondezas, que aliciava com dinheiro e ouro. Lembrei-me logo da telenovela Tieta do Agreste e das ‘rolinhas do coronel’, e quis ver se encontrava mais informação sobre quem foi esse devasso e que quinta era essa… Ao descrever o estado de total abandono da quinta, o arquiduque Maximiliano disse o seguinte:
“Além disso, a casa e o fresco jardim têm os seus segredos negros. Um velho, com certa de 70 anos de idade, viveu aqui uma vida de pecado licencioso com o seu harém, que consistia em 30 mulheres de várias idades. Mal uma jovem florescesse na vizinhança, era atraída com dinheiro para as garras desse idoso pecador. Agora, os seus ossos apodrecem sob um obelisco de mármore rodeado de ciprestes, no parque que ele próprio plantou.”



Embora a informação seja escassa, consegui com alguma pesquisa descobrir que se trata da Quinta da Serra, hoje um hotel rural 5 estrelas, e o devasso foi mesmo o cônsul britânico Henry Veitch (1782-1857). O diplomata tinha origem escocesa e chegou à Madeira em 1799. Viveu na ilha a maior parte da vida e em 1815, quando Napoleão Bonaparte passou pela Madeira a caminho do exílio em Santa Helena, o cônsul foi das poucas pessoas a estar com Napoleão. Foi convidado a subir a bordo do navio e ofereceu-lhe frutas e vinhos.


Restos mortais de Henry Veitch
O diplomata escocês tinha boas relações com as autoridades locais e foi um importante e abastado comerciante na Madeira, sobretudo na área dos vinhos. Há quem diga que fez contrabando comercial. Para além de ter mandado construir a Quinta da Serra, os edifícios que são hoje o Instituto do Vinho da Madeira e o Clube Naval foram também mandados construir por Henry Veitch.
Henry Veitch
Dado que foi casado duas vezes, em primeiras núpcias com uma britânica e depois de ficar viúvo com uma senhora madeirense, tendo filhos com ambas, fico a pensar como é que conciliou esse harém de meninas no Jardim da Serra com os respectivos casamentos… Talvez porque a quinta era remota e de difícil acesso… As esposas residiam no Funchal e as rolinhas no campo?! Há fontes que também confirmam que das incursões com o harém houve muita descendência ilegítima no Jardim da Serra. Será que ainda por lá vivem?


Claro que depois de saber disto tudo, tive de fazer umas visitas in loco. O ano passado, fui conhecer a Quinta da Serra e fiquei fascinada. É um espaço de paz e tranquilidade na natureza, com algumas plantações de frutas e legumes que são usadas na unidade hoteleira. Tomámos café no bar junto à piscina coberta. Depois de ter visto o tamanho da piscina prometi que da próxima vez viria para pernoitar. E assim foi, este ano passámos um fim-de-semana na Quinta da Serra. Voltei a perder-me nos jardins, passei uma tarde a nadar e visitei novamente o local na quinta onde está sepultado o cônsul Henry Veitch. Deixo o registo fotográfico, com mais algumas informações.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Ye Olde Cheshire Cheese - O Pub onde Dickens ia molhar o bico

Quando trabalhei na zona financeira de Londres, passava em frente ao "Ye Olde Cheshire Cheese" todos os dias. É uma referência para quem procura pubs antigos. Sempre quis entrar, ontem foi o dia. Aberto tal como está, desde 1667, é uma instituição dos copos e da tertúlia social que teve clientes regulares como os escritores Charles Dickens e Mark Twain, e também o académico que criou o primeiro dicionário da língua inglesa, Dr Samuel Johnson, cuja casa já visitei e fica ali perto. Boswell, Carlyle, Yeats, Thackeray e Roosevelt também vieram aqui molhar o bico. Adorei a experiência de andar por corredores e salas escuras, escadas que nos levam a pisos inferiores onde há mais salas e bares, com imenso carácter e tradição. Dickens e Johnson jantaram muitas vezes no Chop Room. Há também uma primeira edição do livro 'A Tale of two cities', onde Dickens menciona o nome do pub. Excelente forma de acabar a semana.


















quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Biografia da Imperatriz Sissi


Então é assim. Ludovika, Sophie e Augusta eram irmãs. Ludovika era mãe da imperatriz Sissi da Áustria e Sophie era mãe do imperador Francisco José, sendo por isso sogra e tia de Sissi. Ludovika enamorou-se do rei deposto português Miguel de Bragança, não casou com ele porque os pais não acharam uma união conveniente. A filha mais velha de Ludovika, Helen, era para ser a futura imperatriz da Áustria. Acontece que Fransciso José quando a viu conheceu também a irmã Sissi, e perdeu-se de amores por Sissi.

Helen casou com outro aristocrata, teve uma filha que também se chamou Elizabeth e que casou com o Miguel de Bragança filho do rei português deposto. Ou seja, a avó Ludovika não conseguiu casar com quem queria, mas a neta casou com o filho do seu antigo amor.

A irmã Augusta teve uma filha Amelie que foi a segunda esposa de D. Pedro I do Brasil. Deste casamento nasceu a princesa Maria Amélia, que ficou noiva do irmão de Francisco José da Austria, o duque Maximiliano. Maria Amélia acabou por falecer, no Funchal, com tuberculose aos 22 anos.
Por sua vez, a filha mais velha de D. Pedro I do Brasil, a rainha portuguesa D. Maria II, casou com o irmão de Amelie, Augusto Eugénio. Ou seja, Amelie era sua madrasta e cunhada.

Por fim, o irmão mais novo do imperador Francisco José, Karl Ludwig, casou em terceiras núpcias com a infanta Maria Teresa de Portugal, filha de Miguel de Bragança, o tal monarca absolutista que foi deposto.

E isto são só os rendilhados à volta desta excelente biografia. Sissi era uma mulher fascinante e complexa. Com esta leitura, fiquei a gostar um pouco mais de Franciso José e um pouco menos da Imperatriz Sissi.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Eça de Queirós em Bristol

Em Outubro passado fiz uma visita especial ao número 38 de Stoke Hill, nos arredores da cidade de Bristol, para ver e fotografar a casa onde viveu Eça de Queirós. Eça chegou a Bristol em Abril de 1879. Viveu antes em Newcastle, onde exercia a função de cônsul de Portugal. Segundo a biografia escrita por Maria Filomena Mónica (2009), os anos em Bristol foram dos mais felizes da vida do diplomata, jornalista e escritor. Foi ali que escreveu 'A Capital', o 'Conde de Abranhos', 'O Mandarim', 'A Relíquia' e a sua obra prima, 'Os Maias'. Foi também nesta cidade que começou a escrever de forma regular, e com grande sucesso, na imprensa do Brasil.

De início vivia sozinho num apartamento. Após o casamento com Emília de Resende, alugou esta casa grande, em Março de 1886, para poder acomodar a esposa e a futura prole. 




O que me pareceu, na manhã que visitei,  é que o bairro continua a ser uma zona nobre, com espaços verdes muito simpáticos, moradias enormes, muito sossego e próximo da conhecida ponte de Clifton. 


Apesar da residência ser grande e confortável, a esposa de Eça sentia-se ali muito isolada. Era uma casa no campo, nos arredores da cidade, e Emília estava habituada a viver num palacete no centro do Porto. Por essa razão, cerca de dois anos depois foram viver para Londres.
Esta casa é uma propriedade privada, pelo que tivemos sorte de o portão estar aberto e podermos espreitar e tirar algumas fotos. Tenho, aliás, que agradecer à Fundação Eça de Queirós, que me informou da morada da casa de Bristol, pois não conseguia encontrar informação online, e até me enviou uma foto com a proprietária da casa, na década de 60, juntamente com uma bisneta de Eça de Queirós, fotos que também partilho. 



Seja com visitas intencionais ou de circunstância, a verdade é que já explorei sítios queirosianos em Newcastle, Lisboa, Coimbra, Londres, Havana, Tormes/Santa Cruz do Douro e Bristol. Acho que me faltam Paris, (que tendo visitado, não andei à procura de vestígios da passagem de Eça) Leiria, Évora e a Praia da Granja. Ainda me apelidam de stalker. 

sábado, 10 de dezembro de 2022

St. James Church - A igreja em Twickenham que era frequentada pelo último rei de Portugal

Quinta de manhã fui visitar dois sítios que queria conhecer há muito tempo. Primeiro, parei na igreja de St. James, em Twickenham, que era frequentada todos os domingos pelo último rei de Portugal, D. Manuel II, que viveu nesta zona dos subúrbios de Londres desde 1914 até à sua morte ainda novo, em 1932.

Não sabia se poderia visitar o interior. Havia uma sala aberta mesmo ao lado da igreja. Estavam umas pessoas em arrumações natalícias e perguntamos se podíamos entrar. Foram muito receptivos e poucos minutos depois, já no interior da igreja, o padre veio ter connosco e fez-nos uma visita guiada. Que luxo (aposto que foi sorte de aniversariante)!



D. Manuel II era muito estimado pela população local. Envolveu-se como voluntário em várias causas sociais, ao longo dos anos, gostava de tocar no orgão da igreja, durante a missa. Juntamente com a esposa, a duquesa de Bragança de origem alemã, Augusta Victoria, foram padrinhos de vários jovens das redondezas. A última afilhada da duquesa faleceu em 2011.

O padre mostrou-nos os dois vitrais da igreja que foram oferecidos pelo rei D. Manuel II, falou-nos da estima e respeito que os locais tinham por ele, do homem culto que foi e de outros dois vitrais que foram colocados mais recentemente, um em homenagem aos portugueses que morreram durante a primeira guerra mundial, e outra homenageando D. Manuel II como figura humanitária e com grande sensibilidade social. O monarca ajudou a fundar um centro ortopédico que cuidava dos feridos da grande guerra, doava dinheiro às igrejas locais, trabalhou para a Cruz Vermelha e financiou a criação do museu de Twickenham. Quando faleceu, o seu caixão passou pelas ruas de Twickenham que estavam ladeadas com crianças das escolas locais.

                                                     
                                                    Vitrais oferecidos por D. Manuel II

                                
                                    Vitrais mais recentes, em homenagem a Portugal e ao monarca



Depois, o senhor padre levou-nos a visitar um salão paroquial onde estão expostas algumas fotografias e documentos relacionados com o monarca. Uma foto do rei a tocar orgão, e outra com a esposa, que achei muito romântica.

Achei belíssima esta fotografia de D. Manuel II com a esposa, a duquesa Augusta Victoria
                                                    O monarca a tocar o órgão da igreja



                                                                    Interior da igreja

Hoje em dia, os vestígios da estadia da família real portuguesa ainda são visíveis nos nomes das ruas como Manoel Road, Lisbon Avenue, Augusta Road and Portugal Gardens. Da segunda visita conto noutra publicação.

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Torna Viagem - o romance do emigrante, de Horácio Bento de Gouveia

Deixei de pertencer ao grupo, que julgo maioritário, de madeirenses para quem Horácio Bento de Gouveia é o nome de uma escola no Funchal. E em boa hora a curiosidade me levou a querer ler um dos seus romances: o Torna Viagem. Que bem que escrevia este homem, que pena não ter ainda maior projecção, e ser mais lido na ilha e no país, apesar de saber que algumas das suas obras até foram publicadas no estrangeiro, e traduzidas para o alemão, espanhol e italiano. 

Que sorte poder desfolhar este romance, que me levou a passear pelas entranhas de Ponta Delgada e Boaventura, a aprender sobre a vida dura do século passado, o apego à terra e às estações, a pobreza como condição permanente, sobre os saberes do campo, os prazeres bucólicos e os hábitos de uma população trabalhadora e habituada à rudeza da vida. De como iam ao Funchal a pé, numa jornada que podia levar mais de um dia de caminhada.

A primeira parte do livro centra-se nessas vivências rurais. Depois, explora o desejo de emigrar para o Brasil e para a Venezuela, acompanhando histórias individuais e familiares, de pessoas que deixaram a Madeira e vingaram como fazendeiros, operários, comerciantes e industriais, na América do Sul. Mais tarde, mandavam dinheiro à família para que vivessem de forma mais desafogada, e para construir as casas grandes que sempre sonharam ter. Há os que vingaram e que se tornaram ricos, dando aos filhos estudos superiores, há os que muito ganharam e tudo gastaram, os que se fascinaram com o rebuliço de Caracas, de São Paulo e do Rio, e esqueceram a mulher e os filhos na Madeira, não dando notícias e regressando a casa décadas depois, ou não regressando de todo.

Comprei este exemplar na Livraria Esperança, no Funchal. Foi publicado em 1979 e  está assinado pelo escritor 🙂. Sei que a Esperança tem alguns livros deste autor, mas há muito pouca coisa disponível, infelizmente. As edições estão esgotadas, o que é uma pena. Se tiverem a sorte de encontrar algum livro do autor, não hesitem. Só tenho pena de não o ter lido mais cedo.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

sábado, 17 de abril de 2021

Tem de ser


A agarrar-me à ideia de que tenho de engolir estes gigantes sapos, na recta final, para poder ter descanso, escolher o que quero fazer a seguir, ser orientada por mais lazer e menos dever. Mas é tão difícil.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Príncipe Philip 1921-2021

O começo de vida do príncipe Philip foi bem dramático. Nasceu no Palácio de Mon Repos, na Ilha de Corfu, e vivenciou todos as convulsões políticas, do início do século XX, que fizeram da Grécia uma República, e atiraram a família real grega para o exílio. Não teve um pai muito presente, a mãe ficou com problemas psiquiátricos e viveu parte da vida numa casa de saúde mental. Quando morre o pai, em 1944, tinha 23 anos e acaba por ser sustentado por um tio. Passou por dificuldades financeiras e até casar com a rainha viveu em colégios privados. Em 1937, esperava a visita a Londres da irmã Cecilie, de quem era muito próximo. A irmã vinha com o marido e dois filhos a um casamento de família. Cecilie estava grávida de oito meses, do terceiro filho, e entrou em trabalho de parto durante o vôo. O avião tentou aterrar na Bélgica com mau tempo, e acabou por se despenhar. Morreram todos. A tragédia marcou o príncipe Philip profundamente. A vida após o casamento com a rainha Isabel II é mais ou menos conhecida. Faleceu hoje aos 99 anos. Que descanse em paz!