Há dois ou três anos, li o livro de memórias do arquiduque Maximiliano da Áustria e da sua esposa, Carlota da Bélgica, sobre as impressões que retiveram da Madeira quando visitaram a ilha juntos, em 1859. O arquiduque Maximiliano era irmão do imperador Francisco José da Áustria e a sua esposa, Carlota da Bélgica, era filha do rei Leopoldo I da Bélgica e também irmã do futuro rei Leopoldo II, o carrasco do Congo…
Maximiliano e Carlota
Achei muito interessante ler as observações que tinham dos usos e costumes da Madeira oitocentista, e do fascínio pelas paisagens e pela fauna e flora da ilha. Mas o que achei mais curioso mesmo foi quando o arquiduque andou a passear pelas serras do Estreito de Câmara de Lobos, hoje freguesia do Jardim da Serra, e descreveu uma quinta abandonada que tinha pertencido a um cônsul britânico já falecido.
Maximiliano dizia que a quinta tinha sido habitada por um devasso que manteve um harém de meninas jovens e pobres das redondezas, que aliciava com dinheiro e ouro. Lembrei-me logo da telenovela Tieta do Agreste e das ‘rolinhas do coronel’, e quis ver se encontrava mais informação sobre quem foi esse devasso e que quinta era essa… Ao descrever o estado de total abandono da quinta, o arquiduque Maximiliano disse o seguinte: “Além disso, a casa e o fresco jardim têm os seus segredos negros. Um velho, com certa de 70 anos de idade, viveu aqui uma vida de pecado licencioso com o seu harém, que consistia em 30 mulheres de várias idades. Mal uma jovem florescesse na vizinhança, era atraída com dinheiro para as garras desse idoso pecador. Agora, os seus ossos apodrecem sob um obelisco de mármore rodeado de ciprestes, no parque que ele próprio plantou.”
Embora a informação seja escassa, consegui com alguma pesquisa descobrir que se trata da Quinta da Serra, hoje um hotel rural 5 estrelas, e o devasso foi mesmo o cônsul britânico Henry Veitch (1782-1857). O diplomata tinha origem escocesa e chegou à Madeira em 1799. Viveu na ilha a maior parte da vida e em 1815, quando Napoleão Bonaparte passou pela Madeira a caminho do exílio em Santa Helena, o cônsul foi das poucas pessoas a estar com Napoleão. Foi convidado a subir a bordo do navio e ofereceu-lhe frutas e vinhos.
Restos mortais de Henry Veitch
O diplomata escocês tinha boas relações com as autoridades locais e foi um importante e abastado comerciante na Madeira, sobretudo na área dos vinhos. Há quem diga que fez contrabando comercial. Para além de ter mandado construir a Quinta da Serra, os edifícios que são hoje o Instituto do Vinho da Madeira e o Clube Naval foram também mandados construir por Henry Veitch.Dado que foi casado duas vezes, em primeiras núpcias com uma britânica e depois de ficar viúvo com uma senhora madeirense, tendo filhos com ambas, fico a pensar como é que conciliou esse harém de meninas no Jardim da Serra com os respectivos casamentos… Talvez porque a quinta era remota e de difícil acesso… As esposas residiam no Funchal e as rolinhas no campo?! Há fontes que também confirmam que das incursões com o harém houve muita descendência ilegítima no Jardim da Serra. Será que ainda por lá vivem?
Claro que depois de saber disto tudo, tive de fazer umas visitas in loco. O ano passado, fui conhecer a Quinta da Serra e fiquei fascinada. É um espaço de paz e tranquilidade na natureza, com algumas plantações de frutas e legumes que são usadas na unidade hoteleira. Tomámos café no bar junto à piscina coberta. Depois de ter visto o tamanho da piscina prometi que da próxima vez viria para pernoitar. E assim foi, este ano passámos um fim-de-semana na Quinta da Serra. Voltei a perder-me nos jardins, passei uma tarde a nadar e visitei novamente o local na quinta onde está sepultado o cônsul Henry Veitch. Deixo o registo fotográfico, com mais algumas informações.